Denes Lott lança livro em Itabira e defende que se discuta desde já o fechamento de suas minas

Com presença de amigos, advogados e profissionais da área de mineração, o advogado itabirano Denes Martins da Costa Lott lançou neste sábado (1), na livraria Clube da Leitura, na galeria Bretas, a segunda edição de seu livro Fechamento de Mina e a utilização da Contribuição Financeira por Exploração Mineral (Del Rey, 2014), revisada e ampliada, resultado de sua dissertação de mestrado.

Denes com o colega advogado Leonardo Oliveira: preocupação com o fim da mineração (Fotos: Carlos Cruz)

Um dos objetos de seu estudo foi analisar o papel da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), os royalties do minério, instituída com a finalidade de contribuir para assegurar a sustentabilidade dos municípios mineradores, ou minerados, diante do inevitável e, no caso de Itabira, cada dia mais próximo, fatídico dia do fechamento de suas minas.

O livro não tem o fim das minas de Itabira como foco, até porque elas estão, em sua maioria, ainda em operação. Mas apresenta diversos casos de fechamento de mina no Brasil e no mundo.

Entretanto, diante do anunciado próximo fim das minas itabiranas, após mais de 76 anos de exploração ininterrupta e em larga escala do minério de ferro, esse estudo é de fundamental importância para compreender o processo de descomissionamento, ajudando também a cidade se preparar para o que está para ocorrer no futuro próximo.

Conforme a Vale informou aos acionistas da Bolsa de Nova Iorque, as minas itabiranas devem exaurir em 2018. Portanto, exaurem em nove anos, um futuro já não mais distante. É hora, portanto, de começar a debater esse fechamento com o descomissionamento das minas, ainda que a lei faculte que isso só ocorra no período imediato à exaustão.

Desativação

Segundo o autor, descomissionamento é pura e simplesmente a fase do fechamento da mina, após exaurida a sua riqueza mineral. “O descomissionamento ou desmobilização refere-se à desativação de todo um empreendimento ou parte dele, como a remoção ou troca de uma linha de produção”, explica Denes Lott.

Nessa fase inclui, ainda, o desmanche das usinas. No caso de Itabira, elas podem continuar em atividade, processando minério de outras localidades (Conceição do Mato Dentro, Serro, Guanhães).

O autor com Heloísa Batista e Paulo “Lelinho” Assuero

Atualmente, pela legislação vigente, essa fase deve ser planejada antes mesmo de a mina entrar em operação. Como a exploração em Itabira foi iniciada em 1942, essa discussão não ocorreu.

E mesmo agora, quando a Vale ainda não é obrigada por lei, mas que deveria fazer pelo propalado compromisso com o diálogo e a transparência, ainda não se discute com Itabira essa próxima exaustão de suas minas.

Se assim fizesse, seria uma oportunidade de aparar arestas e quebrar o clima de desconfiança, assumindo que a exaustão está mesmo próxima – e que muito precisa ser feito para exorcizar o espectro de uma futura cidade fantasma, próxima de se transformar numa vila da distopia.

Até mesmo a designação “descomissionamento de mina” é evitada pela empresa, como se não fosse de interesse da sociedade local saber como esse processo irá ocorrer – e quais “legados” ficarão para assegurar a sustentabilidade futura do município sem a mineração.

Para isso, muitas ações precisam ser executadas desde já, para que amenizem os inevitáveis impactos socioeconômicos e culturais negativos advindos com a desativação das minas. É preciso intensificar a reabilitação de áreas degradadas, assim como definir como será o uso futuro de instalações industriais e das áreas de minas desativadas.

Tudo isso não pode ser uma decisão exclusiva da mineradora. Deve envolver a população que sofrerá com os efeitos da exaustão mineral, com desemprego em massa, queda vertiginosa da arrecadação de impostos e dos royalties, além da diminuição das oportunidades de negócios.

Fontes alternativas

Denes com Leonardo Rosa, presidente da OAB de Itabira

Há de se definir, por exemplo, como o município poderá transformar as minas desativadas em fator de atração turística. Qual é a possibilidade de se aproveitar essas áreas desativadas, com a maior mina a céu aberto do mundo tão próxima de um núcleo urbano, como atração turística?

Como será restaurada a paisagem degradada da serra do Esmeril? E como irá ocorrer a reabilitação das cavas exauridas, depois de ocupadas com rejeito das usinas e material estéril?

Outra pendência que precisa ser resolvida é saber como se dará a devolução à comunidade itabirana da água apropriada pela empresa para manter em funcionamento o complexo minerador.

São as águas da Camarinha, do Borrachudo – e também dos aquíferos Cauê e Piracicaba, captadas a mais de 100 metros de profundidade e liberadas pela mineração, com o seu rebaixamento. Quando e como essas águas serão devolvidas à comunidade itabirana?

Ou elas ficarão novamente inacessíveis com a disposição de material estéril e rejeito nas cavas exauridas, impedindo o acesso a esse precioso líquido? Como já diziam os mais antigos, “água com água se paga.” E essa é uma das muitas dívidas históricas – e ambientais – que a mineração tem com Itabira.

Preocupação com a exaustão mineral é antiga, diz advogado

Mineração da Vale em Itabira vive último ciclo e já caminha para a exaustão com fim previsto para 2028

De acordo com Denes Martins da Costa, o descomissionamento deve ocorrer numa etapa imediatamente anterior ao fechamento da mina. “Dois anos antes da data prevista para o encerramento, o empreendedor deve apresentar ao órgão ambiental um documento denominado Plano Ambiental de Fechamento de Mina (Pafem)”, explica o advogado Denes Martins da Costa.

Mas ele defende que quanto antes o debate for iniciado, melhor será para o município se preparar para a inevitabilidade da exaustão de suas minas. É o que deveria ter ocorrido tão logo se tornou público que as minas devem exaurir em 2028.

O advogado lembra que, para a cidade, essa preocupação existe antes mesmo de ter início a extração mineral em larga escala pela então Companhia Vale do Rio Doce.

Não sei precisar quando foi o marco inicial desta discussão, mas desde criança ouço alguém dizer que a exaustão mineral está próxima. Tenho notícia do trabalho de José Hindemburgo Gonçalves (tributarista itabirano, parceiro de Drummond na cobrança dos direitos de Itabira perante à mineração), que lutou por mais tributos em favor dos municípios mineradores, já prevendo o fim do minério.

Outra recordação do advogado remonta à época da instalação do projeto Carajás, na década de 1980, quando se discutia se as atividades minerárias em Itabira seriam paralisadas frente à forte concorrência. “Essas conversas sempre existiram, mas são algo meio estranho. Parece que a sociedade não acredita que o fim da mineração irá ocorrer”, lamenta.

Cidade encantada

Essa letargia do itabirano diante do fim iminente já foi apontada pelo poeta Carlos Drummond de Andrade (leia aqui). A cidade não avança nem recua. A cidade é paralítica. (…) A cidade parece encantada. E de fato o é. Acordará algum dia? Os itabiranos afirmam peremptoriamente que sim. Enquanto isso, cruzam os braços e deixam a vida passar. A vida passa devagar em Itabira do Mato Dentro.”

E quando Itabira parece que irá enfim despertar, isso não passa de um suspiro, um grito que logo se perde no ar, mesmo não sendo sólido. Foi o que ocorreu recentemente após a divulgação do relatório encaminhado à bolsa de Nova York, com a exaustão prevista para 2028.

Outro suspiro, embora tênue, e muito mais marqueteiro do que prático, ocorreu com o projeto Itabira 2025, lançado no início da década de 1990 pela Associação Comercial de Itabira (Acita). “Depois o assunto arrefeceu. A exaustão é inegável e precisa ser discutida com a comunidade itabirana”, afirma Denes Lott.

Horizonte

Mas o autor tem dúvida de que o fim está mesmo tão próximo. “O relatório diz respeito às reservas provadas. E as reservas inferidas? Os chamados recursos, que ainda não são reservas? Podem realmente não existir ou não ser viável a sua exploração? Ou existem e ainda serão divulgados?”, pergunta o autor, fazendo eco às indagações de todos que preocupam com o futuro da cidade sem a mineração. São dúvidas pertinentes que a mineradora Vale precisa responder.

Lançamento do livro foi prestigiado nesta manhã de sábado, na livraria Clube da Leitura

E são com essas dúvidas, como uma herança atávica, que novamente o itabirano cruza os braços – e deixa a vida passar devagar, como se o minério de ferro fosse eterno. “Não é mais possível ficar deitado em ‘berço esplêndido’. É necessário buscar novas formas de vida para a comunidade de Itabira”, propõe Denes Lott.

O advogado diz ser possível imaginar que a mineração em Itabira, no futuro próximo, possa não ser viável para a escala de produção da Vale. “Mas pode ser para uma mineradora menor”, afirma o autor, que reitera a necessidade de haver mais debates entre a empresa e a sociedade itabirana.

Para isso, ele informa que existe uma deliberação normativa (DN 220) e que prevê a realização de audiências públicas. Entretanto, essa mesma legislação diz que essa audiência só deve ocorrer após a apresentação do Plano Ambiental de Fechamento de Mina. Mas nada impede que a discussão sobre o assunto seja desencadeado desde já.

As discussões públicas são sempre saudáveis. Cabe à Vale, Prefeitura, Câmara e entidades da sociedade civil verem que agora é boa oportunidade de se fazer uma audiência pública específica sobre fechamento das minas.

Segundo defende o advogado itabirano, as questões que levam ao desenvolvimento sustentável passam por planejamento, articulação territorial, regional e logística. E para implementar tudo isso demanda tempo, que começa ser fator escasso em Itabira. “A Unifei como polo agregador e construtor de tecnologia pode cumprir esse papel. Mas para isso a universidade tem que crescer e não pode ser vista como única e salvadora solução”, sustenta Denes Lott.

Medidas necessárias ao descomissionamento de minas

Entre as medidas que devem ser tomadas para que ocorra o descomissionamento de uma mina, Denes Lott relaciona em seu livro:

I – a caracterização do ambiente local antes e após a implantação e operação do empreendimento, de modo a possibilitar o diagnóstico da área e seu entorno.
II – a síntese e avaliação dos projetos e ações socioambientais desenvolvidos visando à sustentabilidade da área de influência do empreendimento;
III – a avaliação dos impactos socioambientais após o fechamento da mina, incluindo os aspectos relacionados à desmobilização da mão de obra e às condições socioeconômicas das comunidades diretamente afetadas;
IV – a definição das ações que serão executadas durante o processo de fechamento da mina e, se necessário, após a conclusão do mesmo, visando à continuidade da reabilitação ambiental, à definição de parâmetros e frequência para o monitoramento e à identificação de indicadores de qualidade ambiental adequados;
V – a apresentação de proposta de alternativas para uso futuro da área minerada, considerando os aspectos sociais, econômicos e ambientais da área de influência direta do empreendimento;
VI – o cronograma de implantação do plano, incluindo todas as etapas previstas, os processos de avaliação e revisão e a execução do monitoramento ambiental.

FONTE: Vila de Utopia

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2019-09-26T12:37:52-03:00